Deu na Veja
Corrupção: O ficha-suja Roriz estrela um vídeo-bomba
Roriz, candidato barrado (por enquanto) ao governo do Distrito Federal, aparece em vídeo entregando dinheiro - "uma propinazinha" - para um laranja confesso ficar calado
Diego Escosteguy
A cena é espantosa. Joaquim Domingos Roriz, o fazendeiro que fez fortuna às custas dos cofres públicos de Brasília nos últimos 20 anos, cumprimenta o interlocutor, recosta-se na poltrona e arrasta com as mãos uma caixa que estava embaixo da mesa de centro. “Quanto?”, pergunta de chofre o homem que governou por quatro vezes o Distrito Federal, mandatos nos quais distribuiu terras e contratos, colhendo em troca votos e dinheiro. “Foi dez, né?”, responde André Alves Barbosa, o interlocutor, que filmou o encontro na casa de Roriz, no começo deste ano, e cuja família é laranja do ex-governador em imóveis e operações bancárias.
Dez, no caso, corresponde a dez mil reais. “Isso tudo?!”, surpreende-se Roriz. O ex-governador retira maços de dinheiro da caixa. E repassa ao laranja. Um, dois, três, quatro... Enquanto conta a dinheirama, Barbosa cobra o pagamento de um empréstimo rural contraído por sua família, cujo beneficiário era, óbvio, Roriz: “Governador, como faz o negócio da fazenda? Vai resolver lá no Banco Real?”. Surgem mais pacotinhos de dinheiro. Diz Roriz: “Depois das eleições (...) vou no banco”. O laranja interrompe: “Vai e ajeita?”. Roriz completa: “Claro! (...) Se preocupar agora é pior”. E aparecem mais pacotinhos. “Seis, né?”, confere o ex-governador. “Falta (sic) mais cinco”, esclarece Barbosa. Dá-lhe pacotinhos em cima da mesa – e o laranja exulta: “Obrigado, governador!”.
Qual a razão para o pagamento? “É propinazinha para nois (sic) ficar quietinho”, explica o laranja André, também em conversa gravada, que deveria ficar quietinho precisamente sobre o fato de ser... laranja. André tentou vender essa e outras gravações ao deputado Alberto Fraga, do Democratas de Brasília, que assistiu à fita, assim como outras duas fontes localizadas pela reportagem. Ninguém admite ter comprado o material.
Esse lúgubre espetáculo cinematográfico, ao qual VEJA teve acesso, é o mais recente dos numerosos – talvez incontáveis – episódios de corrupção nos quais a estrela chama-se Joaquim Roriz. O ex-governador já foi acusado de receber propina, desviar recursos públicos, comprar votos, sonegar impostos, lavar dinheiro, esconder patrimônio, grilar terras; é uma lista de crimes tão extensa quanto seus 20 anos à frente da política brasiliense. Ostentar esse currículo, porém, nunca constituiu um obstáculo eleitoral para Roriz, que jamais perdeu um pleito.
Em 2006, elegeu-se senador, mas se viu forçado a renunciar ao cargo poucos meses depois, assim que surgiram gravações (sempre elas) nas quais ele discute a partilha de milhões de reais. Agora, ele tenta governar Brasília pela quinta vez, e lidera com tranquilidade as pesquisas de intenções de voto. Na semana passada, contudo, ele se transformou na mais vistosa vítima da lei Ficha Limpa, que impede gatunos condenados de concorrer nas eleições – ou de retornar à política depois de renunciar ao cargo para escapar à cassação, como é o caso de Roriz. Por quatro votos a dois, o Tribunal Regional Eleitoral de Brasília impugnou a candidatura dele.
Outros 100 candidatos no Brasil foram enquadrados pelo Ficha Limpa. Mas a impugnação de Roriz se revela emblemática. É o único barrado que concorre ao governo e lidera as pesquisas. Há outros políticos tão notoriamente corruptos quanto ele, como Jader Barbalho e Paulo Maluf, que também podem ser expulsos das eleições. Roriz, no entanto, é o único dessa vil estirpe que ainda demonstra força política para se eleger ao governo – Maluf, por exemplo, pode até receber uma avenida de votos para uma vaguinha na Câmara dos Deputados, mas não há obra superfaturada que o carregue novamente ao Palácio dos Bandeirantes.
De modo que Roriz simboliza à perfeição o tipo de político do qual o Ficha Limpa tentou livrar o país. Tanto o ex-governador quanto os demais barrados, contudo, ainda podem acabar aparecendo nas urnas. A razão disso é que ainda pairam incertezas acerca da legalidade do Ficha Limpa. O Tribunal Superior Eleitoral já se manifestou a favor da lei, inclusive para aplicá-la nestas eleições, mas o assunto certamente recairá sobre os ombros dos ministros do Supremo Tribunal Federal. Há a possibilidade de que eles só discutam o caso após as eleições. Se isso acontecer, candidatos como Roriz provavelmente concorrerão por meio de liminares na Justiça – e, se ganharem a eleição, só perderão o cargo se o STF confirmar e legalidade do Ficha Limpa.
Se o Supremo derrubar a lei, gatunagens como a do vídeos descrito no começo desta reportagem continuarão a prosperar. Na gravação com Roriz, a dívida a que se refere André foi contraída em 1995 por seu avô, Geraldo Alves Barbosa. Somava 210 mil reais e se destinava à criação de gado. O avô-laranja era dono, ao menos no papel, da Agropecuária Estiva. Ele deu como garantia ao banco os 12,5 mil alqueires da Fazenda Queimados, que fica em Goiás. De acordo com André, o laranjinha, tanto a agropecuária quanto a fazenda sempre foram de Roriz.
Localizado pela reportagem, Luiz Antônio Barbosa, um dos filhos do avô-laranja, que consta como sócio da agropecuária e como antigo dono da fazenda, disse nunca ter tido qualquer empresa ou imóvel rural. “Nunca tive fazenda, moço. Mas o meu pai já teve coisas com o Roriz”, ele explica. Questionado se era laranja do ex-governador, Luiz Antônio afirmou: “Não posso falar”. O Banco Real executa judicialmente a dívida e pede há anos a penhora da fazenda. Em 2000, contudo, a fazenda mudou de dono – quer dizer, no cartório. A família-laranja ficou com a dívida, mas repassou a propriedade das terras para Osvaldino Xavier, amigo de Roriz e dono da Nely Transportes, empresa que coletava lixo em Brasília. “Ele também é laranja”, diz André.
A reportagem foi até a fazenda, para olhar de perto o laranjal. Na entrada do local, uma placa informa que o empresário-amigo Osvaldino é o dono. Mas um funcionário logo avisa: “A fazenda é do Juliano”. E quem é Juliano? Trata-se de Juliano Roriz, neto do ex-governador. VEJA o encontrou à porta da fazenda. Travou-se o seguinte diálogo:
- Esta fazenda é do seu avô?
- Não, é minha.
- E por que o nome do proprietário na placa é Osvaldino?
- Ah... Não sei.
- Ele é o dono da fazenda ou é você?
- Sou eu.
- Há quanto tempo você tem a propriedade?
- Não sei.
- Não, é minha.
- E por que o nome do proprietário na placa é Osvaldino?
- Ah... Não sei.
- Ele é o dono da fazenda ou é você?
- Sou eu.
- Há quanto tempo você tem a propriedade?
- Não sei.
Procurado, Osvaldino garantiu ter efetivamente comprado parte das terras da família-laranja, mas disse ter vendido 20% delas para a Agropecuária Palma, que pertence a Roriz. O ex-governador não quis se pronunciar.
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