Os textos que seguem foram escritos por Irlam Rocha Lima e Tereza Albuquerque e publicados na edição de hoje do jornal Correio Braziliense.
O reencontro
Artistas e plateia se emocionam com o show de 10 horas em homenagem ao projeto Cabeças, no Parque da Cidade
Irlam Rocha Lima
Neio Lúcio acabara de anunciar uma das primeiras atrações do Encontros Cabeças quando alguém da plateia atacou de gaiato: “Concerto cabeças brancas!”. Quem estava próximo sorriu ao ouvir o comentário bem-humorado do homem de aparentes 50 e poucos anos que, claramente, se sentia à vontade em meio a pessoas de sua faixa etária, num evento com características de celebração.
O show com ar de revival, que começou às 15h10 de sábado e terminou à 1h, na Praça das Fontes do Parque da Cidade, rememorou o projeto que é tido como a gênese da cultura candanga. Entre os artistas que subiram ao palco e os espectadores que foram ali para assisti-los estabeleceu-se total interação. Tanto de uma parte quanto da outra, não faltaram recordações dos velhos e bons tempos.
Tempos — entre os anos 1978 e 1979 — em que uma geração de músicos, cantores, compositores, atores, poetas e artistas plásticos se reunia no último domingo de cada mês para mostrar o que estava criando, em concerto ao ar livre, no gramado da 311 Sul, em tardes memoráveis. Muitos deles — hoje, com cabelos embranquecidos e abdome proeminente — marcaram presença no reencontro. Faltaram alguns, que tiveram destacada participação no Cabeças, como o poeta Nicolas Behr, ausente da cidade.
Para recepcionar o público, foi instalada uma exposição no local com alguns painéis de fotos, e outros com a transcrição de poemas, tendo como referência, é claro, o movimento que revelou importantes nomes para as artes brasilienses. Chamava a atenção um texto assinado por Lucio Costa, autor do plano urbanístico da capital, evocando o Cabeças: “Enquanto os maiorais, confinados nas suas monumentais redomas, brincam de administração e política, no ar livre das quadras e das áreas de vizinhança, estes bons samaritanos ensinam os usuários da cidade a vivê-la”.
Numa das fotos expostas, via-se Beto Escalante, aos 16 anos, sentado à grama da 311 Sul. Acompanhado pela filha adolescente, o baterista do Mel da Terra, que se apresentaria na parte final do show de sábado, emocionou-se com a imagem. “Éramos todos muito jovens e estávamos dando os primeiros passos com o Mel, que viria a ser a primeira banda pop da cidade. Estarmos aqui reunidos novamente, 30 anos depois, é motivo de grande felicidade”.
O show com ar de revival, que começou às 15h10 de sábado e terminou à 1h, na Praça das Fontes do Parque da Cidade, rememorou o projeto que é tido como a gênese da cultura candanga. Entre os artistas que subiram ao palco e os espectadores que foram ali para assisti-los estabeleceu-se total interação. Tanto de uma parte quanto da outra, não faltaram recordações dos velhos e bons tempos.
Tempos — entre os anos 1978 e 1979 — em que uma geração de músicos, cantores, compositores, atores, poetas e artistas plásticos se reunia no último domingo de cada mês para mostrar o que estava criando, em concerto ao ar livre, no gramado da 311 Sul, em tardes memoráveis. Muitos deles — hoje, com cabelos embranquecidos e abdome proeminente — marcaram presença no reencontro. Faltaram alguns, que tiveram destacada participação no Cabeças, como o poeta Nicolas Behr, ausente da cidade.
Para recepcionar o público, foi instalada uma exposição no local com alguns painéis de fotos, e outros com a transcrição de poemas, tendo como referência, é claro, o movimento que revelou importantes nomes para as artes brasilienses. Chamava a atenção um texto assinado por Lucio Costa, autor do plano urbanístico da capital, evocando o Cabeças: “Enquanto os maiorais, confinados nas suas monumentais redomas, brincam de administração e política, no ar livre das quadras e das áreas de vizinhança, estes bons samaritanos ensinam os usuários da cidade a vivê-la”.
Numa das fotos expostas, via-se Beto Escalante, aos 16 anos, sentado à grama da 311 Sul. Acompanhado pela filha adolescente, o baterista do Mel da Terra, que se apresentaria na parte final do show de sábado, emocionou-se com a imagem. “Éramos todos muito jovens e estávamos dando os primeiros passos com o Mel, que viria a ser a primeira banda pop da cidade. Estarmos aqui reunidos novamente, 30 anos depois, é motivo de grande felicidade”.
Integração
O primeiro momento de integração entre os participantes do encontro foi durante a performance do Esquadrão da Vida, grupo de teatro de rua criado por Ary Para-Raios. “Isso me faz viajar no túnel do tempo e lembrar de como a cultura em Brasília começou a se esboçar”, comentou a estilista Lydia Garcia, que tinha ao seu lado a filha Mali e a neta Aisha. “Queria que elas estivessem comigo para nos emocionarmos juntas.”
Poetas da geração mimeógrafo ganharam estande para expor e vender seus livros. Uma delas foi Noélia Ribeiro, cantada por Nicolas Behr e Nonato Veras em Travessia do Eixão, clássico do Liga Tripa — que também subiu ao palco — regravado pela Legião Urbana. Noélia lançou recentemente (pela editora Verbis) Atarantada, um livro de poemas românticos. “Só de rever tantos amigos do tempo do Cabeças, que não via há anos, já valeu a pena participar desse encontro”, disse.
O encontro (melhor seria dizer reencontro) ocorria também nos bastidores, com direito a fotos e mais fotos. Quem mais fazia esse tipo de registro era o cantor e compositor Tonicesa Badu, o segundo a subir ao palco, depois de Jaime Ernest Dias. Numa roda, o papo rolou solto entre Renato Matos (ícone do Cabeças), Sérgio Duboc (Liga Tripa), Toninho Maia (Artimanha), Jaime Ernest Dias e Rodolfo Cardoso. “Com tantos músicos talentosos, companheiros de uma geração que fez história nas artes da cidade, fui tomado por uma onda maravilhosa, por um prazer indescritível”, afirmou o autor de Um telefone é muito pouco.
Enquanto isso, no palco, Ivan Sérgio via o público cantar Vagabundo sagrado, a música que deu nome à banda liderada por ele. As atrações seguintes — Miquéias Paz, Suzana Mares, Eduardo Rangel, Rênio Quintas e Célia Porto, Oficina Blues, Toninho Maia, Maurício e Ticho Lavenere, Mel da Terra, Renato Matos e Beirão — também mexeram com a plateia. Entusiasmado com o que via e ouvia, Bachir Gemayel, estudante de biologia da UnB, elogiava a iniciativa de “quem proporcionou o retorno do projeto que foi o marco inicial da cultura na cidade”: “Espero que outros encontros como esse venham ocorrer”.
Idealizador do Cabeças, Neio Lúcio buscava deixar claro que aquele momento era “o ponto de partida para a criação da história da vivência artística das décadas de 1970 e 1980”. Segundo ele, o projeto maior é a criação do Cabeças — Centro Brasiliense de Arte e Cultura, “organizando esse dispersado patrimônio” para dar começo aos trabalhos de construção de um possível museu. “Afinal, museus são espaços que guardam e apresentam sonhos, sentimentos, pensamentos que ganham corpo através de imagens, cores, sons e formas.”
Poetas da geração mimeógrafo ganharam estande para expor e vender seus livros. Uma delas foi Noélia Ribeiro, cantada por Nicolas Behr e Nonato Veras em Travessia do Eixão, clássico do Liga Tripa — que também subiu ao palco — regravado pela Legião Urbana. Noélia lançou recentemente (pela editora Verbis) Atarantada, um livro de poemas românticos. “Só de rever tantos amigos do tempo do Cabeças, que não via há anos, já valeu a pena participar desse encontro”, disse.
O encontro (melhor seria dizer reencontro) ocorria também nos bastidores, com direito a fotos e mais fotos. Quem mais fazia esse tipo de registro era o cantor e compositor Tonicesa Badu, o segundo a subir ao palco, depois de Jaime Ernest Dias. Numa roda, o papo rolou solto entre Renato Matos (ícone do Cabeças), Sérgio Duboc (Liga Tripa), Toninho Maia (Artimanha), Jaime Ernest Dias e Rodolfo Cardoso. “Com tantos músicos talentosos, companheiros de uma geração que fez história nas artes da cidade, fui tomado por uma onda maravilhosa, por um prazer indescritível”, afirmou o autor de Um telefone é muito pouco.
Enquanto isso, no palco, Ivan Sérgio via o público cantar Vagabundo sagrado, a música que deu nome à banda liderada por ele. As atrações seguintes — Miquéias Paz, Suzana Mares, Eduardo Rangel, Rênio Quintas e Célia Porto, Oficina Blues, Toninho Maia, Maurício e Ticho Lavenere, Mel da Terra, Renato Matos e Beirão — também mexeram com a plateia. Entusiasmado com o que via e ouvia, Bachir Gemayel, estudante de biologia da UnB, elogiava a iniciativa de “quem proporcionou o retorno do projeto que foi o marco inicial da cultura na cidade”: “Espero que outros encontros como esse venham ocorrer”.
Idealizador do Cabeças, Neio Lúcio buscava deixar claro que aquele momento era “o ponto de partida para a criação da história da vivência artística das décadas de 1970 e 1980”. Segundo ele, o projeto maior é a criação do Cabeças — Centro Brasiliense de Arte e Cultura, “organizando esse dispersado patrimônio” para dar começo aos trabalhos de construção de um possível museu. “Afinal, museus são espaços que guardam e apresentam sonhos, sentimentos, pensamentos que ganham corpo através de imagens, cores, sons e formas.”
Veja galeria de fotos.
Eu fui...
Ver o Esquadrão da Vida, assistir aos shows de Renato Matos, Liga Tripa, Mel da Terra, Badu e de tantos outros que fizeram a história do Cabeças — e, claro, testemunhar o entusiasmo renovado e redobrado de Neio Lúcio — me fez ir às lágrimas”
Lúcia Helena Medeiros, servidora pública.
Cheguei a vir ao Parque da Cidade nas duas vezes em que o Cabeças foi anunciado e acabou não tendo o show. Valeu a pena voltar hoje e conhecer o trabalho desses artistas que são parte da história da música brasiliense”
Clement Dutervil, estudante de engenharia florestal.
Estamos todos bem
Clement Dutervil, estudante de engenharia florestal.
Estamos todos bem
Cabeças marca mais pela sensação de “pertencimento” do que pela nostagia
Teresa Albuquerque
Teresa Albuquerque
Lula Lopes/Esp. CB/D.A Press |
A atriz Bidô Galvão, ontem e hoje: “A memória não pode ser nostálgica, precisa dialogar com o futuro” |
Bidô Galvão viu o próprio rosto num dos painéis espalhados pela Praça das Fontes e quis logo tirar uma foto ali, diante dela mesma. A imagem representava bem o sentimento mais forte daquele revival do Cabeças: o de “pertencimento”. Havia nostalgia no ar, mas não era só isso. O show no Parque da Cidade foi o encontro, hoje, de pessoas que viveram aquela época. E, sim, estamos todos bem. “Encontrei muita gente e muitas memórias”, contou a atriz, que era vizinha do Cabeças, na 311 Sul, e vivia lá. “Mas o melhor de tudo é ver as homenagens aos que já morreram e aos vivos, e a perspectiva de não perder essa memória — que não pode ser nostálgica, que precisa dialogar com o futuro.”
Passava das 16h, o sol ainda forte, e os tapetes estendidos na grama seca estavam cheios de crianças, filhos e netos dos que chegaram cedo para lembrar os velhos tempos. (Gente, é a Maria Coeli ali.) No palco, Tonicesa Badu falava do início da carreira, nos anos 1970, e apresentava-se, bem-humorado, à plateia: “Sou um tiranossauro rex”. Neio Lúcio, organizador do evento, 57 anos, apontava para os amigos aqui e ali: “Essa garotada aqui é a minha infância”. (Gente, essa voz embargada ao microfone é da Maria do Rosário!)
Perto das 17h, o Esquadrão da Vida veio brincar com a plateia, ali no chão mesmo: “Como pode o Para-Raios não brincar mais em Brasília? Como poderei viver sem a sua companhia?”. “Eu era muito pequena (na época do Cabeças), mas estou emocionada de estar aqui e ver aqueles rostos conhecidos da minha infância”, dizia Maíra Oliveira, filha de Ary Para-Raios, o criador do grupo, lembrado com foto no cenário, ao lado de outros que já se foram, como Marcão Adrenalina e Cássia Eller. Paulo Tovar também estava lá, no painel no fundo do palco, e na homenagem do Liga Tripa, anunciada por Aldo Justo lá pelas 20h, antes de o grupo tocar Juriti. “Por mais que os anos passem, a gente sempre vai ser Cabeças”, garantia o mímico Miquéias Paz. (Gente, olha o Fred Brasiliense ali.)
Às 22h, num dos momentos mais bonitos da noite, Toninho Maia tocou Suíte Brasília, de Renato Vasconcelos (que estava escalado para o show, mas não pôde ir). Depois dele, o guitarrista Maurício Lavenere fez discurso emocionado: “Tenho 40 anos, cinco filhos e já chorei demais aqui. Encontrei 128 pessoas que não via há muito tempo”. (Gente, o J. Pingo!)
O Mel da Terra só entrou às 23h10, com um tema instrumental (Dança do homem) que o tecladista Remy Portilho compôs no próprio Cabeças, mais de duas décadas atrás. Às 23h40, quando a banda tocou Estrela cadente, vieram as mãos para o alto, o coro forte. E ainda faltavam Renato Matos e Beirão. Renato, que marcou a história do Cabeças com seu Um telefone é muito pouco, levou a cantora Vanja para uma participação especial. E Beirão encerrou a noite, à 1h, com uma grande roda, as pessoas de mãos dadas. Quanta gente foi, Neio? “Tenho dificuldade para calcular. Talvez umas 2 mil, na hora mais cheia. Mas fosse qual fosse o número de pessoas, havia em todas elas algo muito forte: a sensação de pertencimento.”
Perto das 17h, o Esquadrão da Vida veio brincar com a plateia, ali no chão mesmo: “Como pode o Para-Raios não brincar mais em Brasília? Como poderei viver sem a sua companhia?”. “Eu era muito pequena (na época do Cabeças), mas estou emocionada de estar aqui e ver aqueles rostos conhecidos da minha infância”, dizia Maíra Oliveira, filha de Ary Para-Raios, o criador do grupo, lembrado com foto no cenário, ao lado de outros que já se foram, como Marcão Adrenalina e Cássia Eller. Paulo Tovar também estava lá, no painel no fundo do palco, e na homenagem do Liga Tripa, anunciada por Aldo Justo lá pelas 20h, antes de o grupo tocar Juriti. “Por mais que os anos passem, a gente sempre vai ser Cabeças”, garantia o mímico Miquéias Paz. (Gente, olha o Fred Brasiliense ali.)
Às 22h, num dos momentos mais bonitos da noite, Toninho Maia tocou Suíte Brasília, de Renato Vasconcelos (que estava escalado para o show, mas não pôde ir). Depois dele, o guitarrista Maurício Lavenere fez discurso emocionado: “Tenho 40 anos, cinco filhos e já chorei demais aqui. Encontrei 128 pessoas que não via há muito tempo”. (Gente, o J. Pingo!)
O Mel da Terra só entrou às 23h10, com um tema instrumental (Dança do homem) que o tecladista Remy Portilho compôs no próprio Cabeças, mais de duas décadas atrás. Às 23h40, quando a banda tocou Estrela cadente, vieram as mãos para o alto, o coro forte. E ainda faltavam Renato Matos e Beirão. Renato, que marcou a história do Cabeças com seu Um telefone é muito pouco, levou a cantora Vanja para uma participação especial. E Beirão encerrou a noite, à 1h, com uma grande roda, as pessoas de mãos dadas. Quanta gente foi, Neio? “Tenho dificuldade para calcular. Talvez umas 2 mil, na hora mais cheia. Mas fosse qual fosse o número de pessoas, havia em todas elas algo muito forte: a sensação de pertencimento.”
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