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sábado, 2 de julho de 2011

A CASA

Segue texto assinado por José Guilherme (jguilherme@brasiliaemdia.com.br), publicado na edição impressa da revista Brasília em dia (www.brasiliaemdia.com.br).




A CASA


(La Casa Muda) Uruguai, 2010.
Direção/Roteiro: Gustavo Hernández.
Elenco: Florencia Colucci, Abel Tripaldi, Gustavo Alonso
 
Terror verdadeiro

Se você for assistir a este filme esperando ver um filme de “terror”, porque os jornais e mídias eletrônicas o classificaram assim, esqueça. Ele parece mesmo ser um filme de terror, mas só parece, como aquele produto para caspa anunciado na TV. Na realidade, trata-se de uma singular abordagem, densa, intimista, intrigante e, por que não dizer?, assustadora, sobre o destino de duas pessoas, pai e filha (Colucci e Alonso), que são contratados para limpar a área externa de uma velha residência rural que vai ser posta à venda pelo seu proprietário, Néstor (Tripaldi), e na qual começam a acontecer coisas estranhas. Detalhe: o filme é baseado em fatos reais (que teriam acontecido no final da década de 1940), e, segundo os créditos finais, a polícia uruguaia restou perplexa, no curso das investigações sobre o duplo assassinato acontecido ali.

Daí o título original do filme: as mortes perpetradas naquela sombria casa de campo foram silenciadas para sempre. A casa jamais revelou os horrores ocorridos no seu interior, nem quem foi o autor, ou os autores, dos hediondos crimes (algo que talvez só o time do “CSI” poderia desvendar). Mas a qualidade do filme enquanto obra artística não para por aí. Paralelamente com a abordagem do tema, Hernández dá uma verdadeira aula de Cinema ao abusar de travellings, iluminação natural de interiores e exteriores, câmera na mão andando ou correndo (nas tomadas externas com handcam, o filme lembra as cenas rodadas na floresta, no conhecido A Bruxa de Blair), closes que impedem o espectador de ver algo além daquilo que a própria protagonista vê, etc.

Mas não é só. Para além de suas qualidades cênicas, o filme representa um acurado estudo audiovisual sobre os sintomas e os efeitos de uma crescente e assustadora síndrome de esquizofrenia paranóide portada pela personagem principal, a partir de um começo enganadoramente tranqüilo e bucólico. Os sintomas dessa psicopatia colocam o seu portador num plano de dupla realidade vivencial, a real, que é compartilhada com as demais pessoas, e a imaginária, que funciona como um sonho, ou “filme”, passado exclusivamente em sua cabeça, levando-o a interagir com o mundo real através de delírios e surtos que são a sua resposta àquilo que só ele vê, sente e ouve.

Embora rodado em cores, o uso de filtros impede que elas ganhem destaque nos sombrios cenários (internos, a maior parte). A fotografia é granulada e levemente desfocada em alguns momentos. Por último, mas não o menos importante: o filme foi rodado em tempo real, isto é, cada minuto na tela corresponde a um minuto passado aqui fora, o que torna mais realista a sensação de pavor. Além disso, toda a filmagem passa a impressão de ter sido realizada em uma única tomada (take), valorizando esse desconhecido e despretensioso trabalho com “pinta” de amador.

De qualquer forma, é certo que a montagem final não dá sossego ao espectador, o que rende alguns bons sustos. E quem prestar atenção aos surtos da personagem Laura (graças à competência de Florencia Colucci) perceberá alguns detalhes ou “dicas” fornecidos pela própria narrativa visual, que o levarão a antecipar o [aparentemente] imprevisível final. A lógica e o senso comum constituirão boas ferramentas para se atingir algumas conclusões pessoais nesse caminho. Confira. 8/10.

Nota 1: Já falei nesta coluna a respeito do papel do crítico. Faço este adendo em função, não só do filme de Woody Allen (v. Edição 749), como do filme que consta desta edição. Muitos acham que crítico de qualquer obra audiovisual tem que ser o sujeito que “critica”, isto é, que acha defeitos, não gosta disso nem daquilo, aponta erros, dá notas rigorosas, e jamais, repito, jamais, se entusiasma com uma obra cinematográfica. Que é o cara que idolatra os “clássicos”, a ponto de achar que qualquer comparação soa como heresia ou sacrilégio. Quem me conhece sabe que não é bem assim. O papel do crítico é mostrar ao seu leitor o que vale a pena ver e o que deve ser descartado, respeitando as opiniões contrárias. E duas coisas essenciais devem ser lembradas: todos podem opinar livremente sobre um filme, mas opina melhor quem entende mais do assunto; e quando um consenso razoável se forma sobre um filme, é porque ele representa o que a maioria das pessoas cultas pensa a respeito dele. Isso passa a valer, portanto, como um indicativo confiável sobre aquele trabalho.
 
Nota 2: Se você é leitor assíduo desta Coluna e ainda não assistiu ao clássico Psicose, está na hora de começar a rever os seus conceitos sobre Cinema.

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