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domingo, 6 de novembro de 2011

“Eu vivo em crise”

Quem esteve em Brasília na semana passada foi Selton Mello. A visita deste ator e diretor  foi motivada pelo lançamento do filme O palhaço, dirigido por ele e protagonizado por Paulo José. O filme vem recebendo elogios da crítica e do público e deu a Moacyr Franco o prêmio de ator coadjuvante no Paulínia Festival de Cinema 2011.

O IS reproduz a entrevista concedida por Mello para Yale Gontijo e publicada na edição de hoje do jornal Correio Braziliense.  

Eu vivo em crise”


Yale Gontijo






O ator Selton Mello tem feito uma peregrinação para divulgar O palhaço, o segundo longa que assina como diretor (o primeiro foi Feliz Natal). Não é uma rotina fora do comum para quem começou a trabalhar na televisão aos 7 anos, dublou filmes, fez novelas e hoje (depois de 31 anos de profissão) parece estar mais preocupado em sedimentar carreira como diretor de cinema. O segundo longa, roteirizado por ele e por Marcelo Vindicatto, é uma narrativa delicada sobre um artista de circo em conflito existencial. Em cima do picadeiro, o personagem chama-se Pangaré. Quando a lona do circo é recolhida, ele vira Benjamim, um sujeito melancólico e em crise vocacional. Assim como o personagem, Selton Mello admite ao Correio viver em crise, provocada por ele mesmo, somente para crescer como profissional.


A ambientação do filme começa bem propícia ao tema do circo. Em gradação, porém, os dilemas do Benjamim ocupam a história. De que se trata O palhaço afinal?

Definitivamente não é só sobre o circo. É sobre um dilema humano desse personagem que por acaso é um palhaço. Todo mundo se identifica com o Benjamim. Na cabeça de todo jornalista, médico ou engenheiro, em algum momento, passou a dúvida de continuar fazendo o que faz ou partir para outra coisa. O circo é o pano de fundo e uma maneira fantástica de falar sobre qualquer coisa. Escolhi esse cenário porque acho mais cinematográfico. O circo coloca tudo no terreno da fantasia. Se fosse num hospital, seria um filme mais duro. 


É interessante a metáfora do palhaço que não tem documentos de identificação e que está em crise de identidade…

É. É um filme cheio de camadas. Eu tenho pretensões de alcançar o grande público, sem perder o refinamento. As questões existenciais de Benjamim não são colocadas de maneira explícita. É uma tentativa bem arriscada de fazer um lançamento que vai pelo caminho do meio. Eu não vejo ninguém fazendo isso no Brasil. Ou é um filme autoral, radical e pouco visto ou muito visto, com tudo muito mastigado. O protagonista é um sujeito que tem um conflito e ao longo do filme vai se resolvendo. A mensagem é clara, não tem “cabecice”. Existem brincadeiras que também podem ser descobertas por quem é mais especializado. A comparação da identidade (documento) e a identidade (do personagem) é uma delas. 


Já entrou em crise vocacional?

Eu vivo em crise. Estou sempre achando que errei, preciso melhorar ou que é melhor desistir de tudo. Aí volto atrás e crio outra coisa. Não é pontual não. Estou sempre assim. Eu sou bem exigente comigo. Muito crítico. 

Você vai muito a circo?


Muito pouco. A gente se aprofundou mais nesse universo por causa da pesquisa do filme. Era para ser bem fiel aos códigos circences. De alguma forma, o grande público entende a história sem problemas. E quem é artista de circo se identifica prontamente. Conversamos com várias pessoas. Entre elas, a pesquisadora Erminia Silva, autora do livro Benjamim de Oliveira e a teatralidade circense no Brasil que me inspirou a batizar o personagem como Benjamim. 




Feliz Natal e O palhaço são filmes melancólicos. Ainda que sejam formados por melancolias diferentes. Existe esse lado dentro de você que não é muito conhecido?

Sem dúvida. Atuando como diretor fica mais evidente. A melancolia faz parte da solidão da profissão também. Eu me comunico com muita gente e as pessoas me conhecem, mas eu não conheço essas pessoas. É uma profissão linda e solitária. Não digo isso com pesar não. É mais uma constatação de alguém que faz isso há 30 anos e identifica uma parte do ofício. Como diretor eu tenho a chance de imprimir o meu olhar diante das coisas. Ao passo que, como ator, sou parte de uma engrenagem. 


Então você deve continuar dirigindo?

Estou me sentindo cada vez mais atraído por essa nova fase. Gosto mais de dirigir as minhas coisas do que atuar nos filmes dos outros. Talvez isso seja uma tendência no futuro. Não deve ser radical, afinal de contas eu preciso trabalhar. Mas, cada vez mais me sinto atraído em poder criar, ser original e dizer algo que eu queria muito falar. É uma forma de me instigar. Dirigir alargou as fronteiras da minha criação. Estou me sentindo mais criativo e mais feliz. Consequentemente, mais realizado. 


Qual é a sua avaliação em relação ao seu desempenho no novo emprego? Eu ganhei em liberdade. Estou me sentindo mais seguro das decisões. Aquela ansiedade do primeiro filme já passou.  Me sinto mais seguro. A ternura do filme é uma reposta ao ciclo de cinema brasileiro calcado na violência?

É um ciclo monotemático, né? Acho que O palhaço vai sim na contramão desse ciclo porque é um filme muito delicado, sensível... Ele faz as pessoas rirem sem arrancar o riso à força. Vai te pegando aos poucos. No fundo, acho que é mais uma resposta à violência da vida. Não só a cinematográfica.


O grande número de atores veteranos que você convidou ara o filme foi uma forma de fazer uma homenagem? 

Eram pessoas que eu admirava e com que não tinha trabalhado ainda.


Você se sentiu constrangido em dirigir o Paulo José?

De forma alguma, ele me deixou tranquilo o suficiente. Ele também é diretor e sabe como é dirigir. O Paulo é um grande ator e grande pessoa. Nós nunca tínhamos trabalhado juntos antes e foi ótimo.

Diretores que são atores são melhores do que diretores que nunca atuaram?

Não sei se somos melhores diretores. Eu sei que nós conhecemos a alma de um ator melhor do que muitos diretores por aí. Nisso a gente ganha, sim. Nesse quesito, estamos na frente para saber como lidar com os profissionais.

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