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segunda-feira, 26 de julho de 2010

11 horas na sala de cinema

Já pensou amigo leitor, amiga leitora, você ir à uma sessão de cinema que totalize 11 horas? Inacreditável? Sim! Mas real. A citada sessão no sábado (24/07), numa mostra dedicada ao cinema filipino, que está sendo realizada no CCBB.

Houve público para esta aventura? Sim! Uma das pessoas que aceitou o desafio foi Rosa Maria Schenardie (na foto, a primeira à esquerda), sabiana de carteirinha e pessoa querida de todos nós. Os detalhes dessa aventura por ela e mais dois heróis, foram publicados na edição de hoje do jornal Correio Braziliense.
Isso é que é gostar de cinema.
Aroldo José Marinho


11 horas na sala de cinema

O Correio acompanhou a exibição do filme Evolução de uma família filipina, no CCBB. A sessão começou às 10h, teve dois intervalos de 30 minutos e só terminou às 22h.

Yale Gontijo

Zuleika de Souza/CB/D.A Press
No início da sessão, de manhã, apenas três pessoas estavam na sala: Rosa Maria Schenardie, Herbert Inocalla e Jaime Pereira

Os três bravos espectadores que ficaram até o fim do filme: o filipino Herbert e os aposentados Ana Falcão e Jaime Pereira

Fotos: Zuleika de Souza/CB/Reprodução/D.A Press




Cenas da produção em preto e branco, com longas sequências sem diálogos e narrativa não linear. Para o diretor Lav Diaz, considerado o pai ideológico do cinema filipino, “fazer filmes longos é uma atitude política”

No último sábado, o brasiliense acordou com a possibilidade de fazer um programa muito diferente. A exibição do filme Evolução de uma família filipina, do diretor Lav Diaz, dentro da mostra Descobrindo o cinema filipino, no Centro Cultural Banco do Brasil (CCBB), tinha como diferencial a impressionante duração: 10 horas e 43 minutos.

O filipino Herbert Inocalla, 59 anos, professor de artes marciais, está fora de seu país há 36 anos — 33 deles em Brasília. “Fiquei muito feliz com a notícia de que haveria a mostra de cinema filipino. Vim para matar as saudades da minha terra”, contou. “E o senhor vai ficar até o final?” “Acho que sim. Que horas vai acabar?” “Lá pelas 22h.” “Nossa, não sabia! Tudo bem! Não tenho nada para fazer hoje mesmo…”

Instrutor de yogaterapia, meditação, tai chi e terapias corporais, o mestre ensinou o segredo para o corpo não sentir os efeitos de permanecer tanto tempo na mesma posição. “É preciso se alongar. Mexer o pescoço, as mãos”, explicou Inocalla.

Rosa Maria Schenardie, bancária aposentada, 60, sabia da extensão do filme. Mas não conseguiu segurar a curiosidade. “Precisava saber o que acontece num filme de 11 horas. Trouxe água e algumas frutas, que deixei no carro”, disse. Ela foi vestida de moletom e tênis para aguentar o ar-condicionado e o tempo em que passaria sentada. Pelo mesmo motivo, o professor aposentado Jaime Guilherme Pereira, 63, foi ao CCBB.

Os três foram os únicos que se arriscaram a enfrentar a provação de passar praticamente 11 horas assistindo ao mesmo filme. Apesar de animada e falante, a bancária abandonou a sessão no primeiro intervalo, às 14h. “Não sei se posso comparar o cinema americano ao filipino, mas demora muito para acontecer alguma coisa. Ele coloca uma rua deserta e depois de muito tempo aparece alguém na tela”, opinou Rosa.

O time pequeno, mas coeso de bravos espectadores não ficou desfalcado por muito tempo. Logo chegou a também aposentada Ana Falcão. “Eu sou muito, muito cinéfila. Venho a todas as mostras do CCBB. Tive um compromisso mais cedo e não deu para chegar antes”, justificou Ana.

Crítica social

O estilo anticatarse de Diaz é desenvolvido em narrativa não linear que varia entre dois núcleos da família de agricultores Gallardo. Um protagonizado por Kadyo e sua mãe, a matriarca, e outro pelo núcleo da família liderado pelo casal Marya e Fernando. Eles são subterfúgio para que o realizador desenvolva uma crítica social profunda.

O olhar afiado do cineasta alcança até a mídia popularesca representada por uma radionovela de qualidade duvidosa, que usa como chamariz de audiência o abuso sexual de uma menina pelo padrasto. O espectador é obrigado a refletir sobre o próprio cinema filipino em entrevistas concedidas pelo veterano Lino Brocka (1939-1991), o primeiro cineasta daquele país a conseguir notoriedade no exterior, crítico agudo da indústria cinematográfica local por se rebaixar aos padrões hollywoodianos.

Durante a projeção, era comum que as pessoas saíssem da sala para caminhar ou comer alguma coisa. Ao contrário do que acontece em sessões ditas normais, ninguém foi censurado por estar atrapalhando. As longas sequências sem diálogos permitiam que até mesmo os legendadores fizessem um passeio para esticar as pernas. Ao longo do dia, pessoas entravam e saíam da sala escura para saber o que estava acontecendo, mas acabavam abandonando o barco.

Às 17h, o sol já se punha do lado de fora do CCBB e a jornada dos cinéfilos estava apenas pela metade. Um casal da terceira idade quis saber que filme estava passando na mostra. Ao serem informados de que a sessão estava apenas no meio e que a película era preto e branco, eles nem se arriscaram a entrar. Enquanto isso, na tela, a trajetória dos Gallardo era mesclada à derrocada do ditador Ferdinand Marcos pela Revolução do Poder Popular. Diaz elabora análise profunda sobre seu país ao misturar as tragédias da família com a história recente das Filipinas.

“O povo filipino gosta de liberdade. Isso está no filme”, constatou o professor filipino ao fim da exaustiva sessão. “Não tive vontade de ir embora em nenhum momento”, comentou Ana. “O filme prende mesmo”, definiu o professor Jaime. Todos se declararam cansados, porém satisfeitos com a empreitada.

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